José Augusto Paz Ximenes Furtado
Elaborado em 09/2002.
Acreditamos que jamais, em qualquer tempo de nossa histórica, o conhecimento científico a ser produzido e desenvolvido nos espaços das Faculdades de Direito do Brasil necessitou de tamanho apoio, de mais completo incentivo e de tão inescusável estímulo quanto nos dias atuais. As instituições de ensino superior, públicas ou privadas, têm buscado os mais diversos órgãos do Estado, as entidades privadas, e a própria sociedade, no sentido de que todos venham a se engajar no compartilhamento do saber, na melhoria da formação humanística, técnico-jurídica e mesmo prática daqueles operam ou que irão operar o Direito muito em breve. Não deixa de ser, portanto, uma parceria que visa, antes de tudo, estimular o conhecimento, ao tempo em que se prepara e se integra melhor o profissional do Direito, consciente de seu papel de cidadão útil à sociedade, às novas exigências da modernidade.
Nesse contexto, a pesquisa acadêmica tornou-se a palavra de ordem em nossos dias, e se os docentes têm que produzir conhecimento continuamente, os discentes, por sua vez, passaram a conviver com a obrigatoriedade – no mínimo - de apresentação de um trabalho monográfico de conclusão de curso, a ser defendido oralmente perante uma banca examinadora constituída regularmente para tal fim.
A Portaria n. 1.886/94, do Ministério da Educação, que fixou as novas diretrizes curriculares e o currículo mínimo do curso jurídico no Brasil, determinou, em seu artigo 9º, que para a conclusão do curso de Direito será obrigatória a apresentação e a defesa de monografia final, perante uma banca examinadora, como já mencionamos. E mais, diversos de seus dispositivos ressaltam a importância do incentivo à pesquisa, por meio das mais diversas atividades acadêmicas, complementares ou não, no âmbito da própria Instituição ou através de convênios, como depreendemos da leitura dos artigos 3º, 4º e 14, da referida Portaria. Assim, a pesquisa e a iniciação científica tornaram-se imperativas, figurando mesmo como determinantes para a compreensão e a produção crítica do Direito, calcadas num raciocínio lógico, consciente, adequado às exigências dos novos tempos.
Ainda que essas perspectivas sejam bastante animadoras, uma verdade se nos afigura como inquestionável, prestando-se como princípio basilar a ser considerado de imediato: só se pode produzir conhecimento científico sério, inovador, útil, original, mantendo-se aliado ao continuado estudo e pesquisa, o escrúpulo de jamais se recorrer à sordidez do plágio, que muitas vezes emerge, de modo visível, ou que em outras tantas, vem dissimulado, revestido de sutilezas desprezíveis, que enganam e que fazem emergir um produto intelectual falso; composto - para utilizarmos a linguagem virtual - de trabalhos ou de idéias alheias que foram selecionadas, copiadas e coladas, aqui e ali, formando um todo que não reflete o esforço, a contribuição pessoal de quem se propõe a essa prática criminosa.
A consciência a perdurar no pesquisador sério deve advir da certeza de que o verdadeiro conhecimento precisa firmar-se – sempre – em bases éticas. E essa consciência ética lhe impõe que seja buscada e desenvolvida já nos primeiros passos da vida acadêmica. Que o aluno se habitue com a pesquisa, aprendendo a desenvolvê-la, mas sempre consciente de que não poderá se descuidar da ética. E que os professores, como estudiosos por excelência; como orientadores de pesquisas e responsáveis, direta ou indiretamente, pela iniciação científicas de seus alunos, dêem o exemplo, e venham a lembrá-los, a todo instante, do valor da ética para a produção do conhecimento.
Com os inúmeros benefícios tecnológicos do mundo moderno, sobretudo com a inserção do computador e da internet em nossas vidas, surgiram facilidades até há pouco tempo impensáveis. O pesquisador sério – aluno, estudioso ou professor - pela facilidade que tem de obter e trabalhar um infinidade de informações disponíveis, sem sequer precisar sair de seu local de estudo, vem se beneficiado com esses avanços tecnológicos. Infelizmente, precisamos fazer uma constatação lamentável: se nos vemos beneficiados por essas comodidades, passamos, em contrapartida, a viver sob a banalização do plágio. Lamentavelmente, observamos o quanto é costumeiro se produzir conhecimento violando os direitos autorais de alguém. Vemos, pois, verdadeiros furtos intelectuais serem praticados, quase sempre de modo que gera impunidade, haja vista as dificuldades que surgem em bem caracterizarmos esses delitos.
Muitos são aqueles que não têm qualquer escrúpulo em selecionar e copiar trabalhos inteiros, trechos ou pequenos textos que pertencem a outrem, diretamente em proveito próprio, ou mesmo para comercializá-los junto a terceiros, auferindo lucros às custas alheias. Assina-os como se fossem os verdadeiros autores, e pouco se importam com as conseqüências de seus atos criminosos.
Com o advento da internet, como já dissemos antes, e as extraordinárias facilidades que ela nos legou hodiernamente, essa situação se agravou, disseminando a ocorrência desses furtos virtuais. Nos deparamos, então, com aquele plagiador que pratica a violação em proveito de si mesmo ou de outrem, sob encomenda, comercializando trabalhos acadêmicos prontos, maquiados pela leviandade de quem assim age. Mais do que um ilícito civil, uma vez que afronta direito de personalidade do autor, constitucionalmente garantido, atingindo a sua criação intelectual, nos deparamos também com um ilícito criminal gravíssimo, coberto ainda pela inteira reprovação moral a que se sujeita aquele que pratica o plágio.
No Código Penal em vigor, no Título que trata dos Crimes Contra a Propriedade Intelectual, nós nos deparamos com a previsão de crime de violação de direito autoral – artigo 184 – que traz o seguinte teor: Violar direito autoral: Pena – detenção, de 3 9três) meses a 1 (um) ano, ou multa. E os seus parágrafos 1º e 2º, consignam, respectivamente:
...............
§1º Se a violação consistir em reprodução, por qualquer meio, com intuito de lucro, de obra intelectual, no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou de quem o represente, (...): Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, (...).
§ 2º Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito, com intuito de lucro, original ou cópia de obra intelectual, (...), produzidos ou reproduzidos com violação de direito autoral.
Discorrendo sobre essa espécie de crime, afirma MIRABETE:
A conduta típica do crime de violação de direito autoral é ofender, infringir, transgredir o direito do autor. O artigo 184 é norma penal em branco, devendo verificar-se em que se constituem os direitos autorais que, para a lei, são bens móveis (art. 3º da Lei nº 9.610/98).1
Aquele que se propõe a produzir conhecimento sério, renovador do Direito, quer seja ele professor, pesquisador ou aluno, se obriga a respeitar os direitos autorais alheios. Vejamos o que diz a Constituição Federal vigente, em seu artigo 5º, XVII: aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, (...). E a devida proteção legal em legislação ordinária nós a encontramos na Lei nº 9.610/98, mais precisamente nos seus artigos 7º, 22, 24, I, II e III, e 29, I.
Mas, se a própria Lei acima citada, nos informa, no seu artigo 46, III, que não se constitui ofensa aos mencionados direitos, a citação em livros, jornais, revistas ou em qualquer outro meio de comunicação, de trechos de qualquer obra, desde que sejam indicados o nome do autor e a proveniência da obra, aonde constataremos a incidência dessa contrafação (reprodução não autorizada) tão grave, especificamente entendida na sua forma conhecida como PLÁGIO? Exatamente no modo como o plagiário se apossa do trabalho intelectual produzido por outrem.
O plagiário recorre dolosamente aos expedientes mais sutis, porém não menos recrimináveis, e não reluta em fazer inserções, alterações, enxertos nas idéias e nos pensamentos alheios, muitas vezes apenas modificando algumas palavras, a construção das frases, a fim de ludibriar intencionalmente e assim prejudicar, de forma covarde, o trabalho original de alguém e ofendendo os direitos morais do seu verdadeiro autor.
Agindo desse modo, o plagiário tenta iludir a um só tempo tanto ao verdadeiro autor da obra fraudada, como também a quem é dirigido o seu trabalho, inclusive a coletividade como um todo, que irá absorvê-lo. Nos ensina COSTA NETTO, discorrendo sobre o delito de plágio:
Assim, certamente, o crime de plágio representa o tipo de usurpação intelectual mais repudiado por todos: por sua malícia, sua dissimulação, por sua consciente e intencional má-fé em se apropriar – como se de sua autoria fosse – de obra intelectual (normalmente já consagrada) que sabe não ser sua (do plagiário).2
Concluindo, asseveramos que ao lado de um trabalho de pesquisa levado a efeito nos ditames das normas metodológicas cabíveis, fincado num rigor científico necessário e inafastável, deve ainda ser o mesmo revestido de uma indefectível postura ética por parte do seu autor, quer seja ele mero estudioso, professor ou aluno de graduação ou pós-graduação.
Agir com respeito perante não somente àquilo que se propõe a produzir com seriedade, mas igualmente em relação às fontes pesquisadas, às idéias consultadas, aos pensamentos, reflexões, pontos de vista, propostos em estudos e pesquisas já feitas, que recorrera para melhor ilustrar, fundamentar ou enriquecer o seu trabalho científico, é o mínimo que podemos esperar de alguém voltado para o conhecimento.
A atitude ética acompanhada da boa-fé que tanto esperamos de qualquer estudioso, aluno, professor, pesquisador ou mesmo operador do Direito, passa, necessariamente, pelo respeito ao trabalho alheio. Produzir conhecimento, sim, mas calcado na lisura e na decência, sem usurpação ou violação do produto intelectual de quem quer que seja, eis uma obrigação, um dever imposto a todo aquele que se propõe criar ou trilhar novos caminhos no mundo jurídico, através da investigação e da pesquisa científicas.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra de autoria da Editora Saraiva. Colaboração: Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 29 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002 (Coleção Saraiva de legislação).
COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. Coordenação: Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1998 (Coleção Juristas da Atualidade).
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001.
Notas
1. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal – parte geral. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 371.
2. COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. Coordenação: Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1998 (Coleção Juristas da Atualidade), p. 189.
Fonte: jus.com.br
Acesso em 24/02/2012.
Fonte: jus.com.br
Acesso em 24/02/2012.